PENSAMENTOS ESPIRITUAIS: CHIARA LUBICH
Instado por algumas pessoas sobre o porquê do Blog não se prestar a publicar assuntos ácidos e desagregadores, sob os mais diferentes aspectos do dia-a-dia de Abaetetuba, especialmente das situações políticas e as conseqüentes ações de corrupção e disputas políticas pelo poder e variados tipos de violências, respondemos que, diretamente, não tratamos dessas questões polêmicas. Mas as entrelinhas de nossas postagens estão recheadas de questionamentos de ordem moral e ética, que cada um de nós deve viver, independente de religião, credo, raça, opções políticas, vocações e cargos públicos ou privados, no exercício dessas funções no seio do segmento social onde se encontra. Então, diretamente, jamais entraremos no mérito de determinadas questões espinhosas, que recheiam o noticiário das redes de TV, jornais, rádios ou mesmo de inúmeros blogs, que se prestam para fazer essas publicações, já que estão corretíssimas democraticamente, sob o ponto de vista social que lhes é próprio, do “anunciar e denunciar” responsavelmente, o que não é o caso de nosso Blog. O nosso papel é também anunciar e denunciar sob o enfoque da valorização da vida em todas as suas dimensões, da promoção do homem à altura de sua dignidade de filho de Deus, de estabelecer ligames de união e paz nos variados ambientes e ajudar a todos como forma de serviço ao irmão. Também, de acordo com o propósito do Blog, promover o resgate da história-memória dos vários aspectos culturais e genealógicos de Abaetetuba e região, conforme mostram as inúmeras postagens já feitas pelo Blog. Por sinal que nosso Blog aqui se coloca a disposição de todos como serviço e não como promoção individual ou social. E no bojo destes argumentos, também publicamos outra postagem sobre a questão da saúde não só em Abaetetuba como no Brasil todo. Leia ambas e analise-as sob o enfoque do tema abaixo.
Abaixo, através do ítem “Pensamentos de Chiara Lubich”, inauguramos o cabedal de postagens sobre a Espiritualidade da Unidade, advindo do pensamento e ações da notável figura da fundadora do Movimento dos Focolares (clique Chiara Lubich nos vários sites de buscas), que abrange todos os segmentos da realidade humana, e baseada de sua vivência cristã em torno de alguns eixos de espiritualidade, entre os quais os eixos “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” e “Que todos sejam Um”, extraídos das Escrituras Sagradas, espiritualidade que, na medida do possível, também procuramos vivenciar em nosso dia-a-dia, conscientes que somos das nossas fraquezas humanas e, tentando vencer essas adversidades que afetam matéria e espírito, nos espelhamos na frase de alerta São Paulo: “É nas fraquezas que me torno forte”.
Pensamentos de Chiara Lubich
O QUE VALE É O AMOR - CHIARA LUBICH
O que vale é o amor
Falando do amor, da caridade, Paulo VI dizia aos bispos australianos reunidos em Sidney: “Esta é —parece-nos — a principal virtude pedida à Igreja católica, nesta hora que o mundo vive”.
Se for assim, como na verdade o é, o cristão do século vinte deve ser, momento por momento, “caridade vivida”, para corresponder às exigências da Igreja e dar uma resposta aos questionamentos do mundo.
Esta deve ser a sua meta: o amor verdadeiro; sabendo, além do mais, que as coisas têm valor se são inspiradas e conduzidas pela caridade e que o resto de nada vale, ao menos para o exame final da nossa vida.
Portanto, é nisto que o cristão deve empenhar¬-se para poder dizer, depois de cada ação realizada: “isto é algo que permanece”.
Assim devem ser o seu trabalho quotidiano, as leituras, as obrigações, a educação dos filhos, os colóquios, as viagens, o acordar, o tomar as refeições, o dormir, e mesmo cada pequena ação, com tudo o que, de imprevisto, Deus lhe pedir dia a dia.
Assim deve ser — e isto é profundamente con¬solador — para aqueles que nada podem fazer quando doentes, imóveis numa cama, ou inativos numa convalescência interminável.
É isso mesmo, é justamente assim — e quantas vezes o afirmamos, esquecendo-o em seguida — pois o que vale não é o trabalho, nem o estudo, nem a atividade apostólica; o que vale é o amor permeando a nossa vida.
Isto é possível a todos. Cada ação em si mesma é, para Deus, indiferente, O que vale é o amor. E o amor que faz o mundo ir para frente. Se alguém tiver que desempenhar uma determinada tarefa, a fecun¬didade dela será proporcional ao quanto for impreg¬nada de amor.
Mas devemo-nos lembrar-se que existe amor e amor. E sem dúvida mais potente o amor destilado de uma vida consumida como a de Cristo na cruz, do que o amor que oferece — e tudo deve ser oferecido — as coisas alegres e serenas que a vida lhe propor¬proporciona.
Então, para que nós cristãos não sejamos considerados anacrônicos, devemos procurar inserir o amor em todo o nosso agir, vigiando para que ele não nos falte lá onde a vida se apresenta mais difícil e dura.
Chiara Lubich Postado por Otaviano José da Silveira às 10:32
Fonte: centrochiaralubich.org
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Castel Gandolfo, 8 de dezembro de 1996
O Espírito Santo
E agora o Espírito Santo.
Em nossa Igreja não se examinara muito a fundo a Terceira Pessoa Divina, ao menos para o povo. O Espírito Santo era tido como "o Deus desconhecido". Sabíamos que Ele existia. Rezávamos a Ele: "Vinde, Santo Espírito", mas não passava disso.
No Movimento, o Espírito Santo é considerado, antes de mais nada, por aquilo que significa em Deus e para o homem.
Ele é vínculo de unidade entre as divinas Pessoas: Pai e Filho, e vínculo de unidade entre os cristãos.
Por ser possível para os não-cristãos tê-lo em seus corações, se possuírem boa vontade, de certo modo, Ele é vínculo de unidade também com eles.
Uma característica do Movimento é escutar a voz do Espírito Santo dentro de nós. Não só isso, aprendemos também a escutar a sua voz presente entre nós unidos no Ressuscitado. Ou melhor, consideramos muito importante escutar a voz do Espírito, quando Jesus está entre nós, porque aperfeiçoa a ouvir a sua voz em cada um de nós. E aqui podemos ver o "algo mais" em nossa reflexão sobre o Espírito Santo.
Por este "algo mais" sempre experimentamos um clima especial em nossas reuniões, em nossas comunidades, em nossas Mariápolis permanentes, em nossos pequenos ou numerosos encontros.
Esse clima é efeito da presença do Ressuscitado, que está entre nós e que traz consigo o Espírito Santo.
O Espírito Santo, respiro de Jesus e clima do Céu, é também o respiro do seu corpo, a Igreja. E o percebemos quando a Igreja é Igreja no sentido pleno; ou seja, quando é Reino de Deus, quando é Céu transferido para a terra, pela unidade.
(De Chiara Lubich - Um novo caminho - Editora Cidade Nova - São Paulo – 2004)
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Rocca di Papa, 24 de outubro de 1978
Como amar o irmão - Parte I
O caminho para chegar a Deus
Deus proporciona a cada homem que o procura uma maneira de encontrá-lo. E muitas vezes cada um deles está convencido de que o seu modo é o caminho mais breve para alcançá-lo.
Acho que ninguém conseguiria fazer com que Santa Teresa de Ávila duvidasse de ter descoberto a via mais direta para chegar a Deus. De fato, ela diz que se alguém quiser encontrar Deus, deve procurá-lo lá onde Ele está: no centro do seu coração. São Francisco chega até Ele através da natureza. O seu canto, que na sua intenção abraça o cosmo, exprime o conceito que ele tem de Deus: o Criador, o Pai de tudo o que existe; por isso, os animais e as flores, o sol, a lua e as estrelas, homens e mulheres são todos irmãos e irmãs.
Seria interessante - e os discípulos dos santos sempre procuraram fazê-lo – conhecer, um por um, os caminhos que Deus abriu até os nossos dias para chegar a Ele. Mas vejamos o nosso caso. Todos sabem que, quando Deus me chamou para me consagrar a Ele para sempre, o fascínio daquele chamado, o entusiasmo que me inundava pelo fato de que tinha desposado Deus, era tão extraordinário e sublime que jamais teria desejado que qualquer pessoa ou coisa quebrasse o encanto daquele "tu a tu" com Deus. Se naquele dia me tivessem dito que outras pessoas me seguiriam, se me tivessem revelado que iria surgir um Movimento, tenho a impressão de que algo divino, inexprimível, teria se rompido.
Mas logo Deus me esclareceu, como somente Ele sabe fazer, que amá-lo significava amá-lo nos irmãos, em todos os irmãos do mundo.
Deus tem um conceito inexprimível do homem.
Em 1949 eu escrevi: «O Pai, Jesus, Maria, nós. Por nós, o Pai permitiu que Jesus se sentisse abandonado por Ele. Por nós, Jesus aceitou o abandono do Pai e se privou de sua Mãe. Por nós, Maria participou do abandono de Jesus e aceitou a privação do Filho. Portanto nós fomos colocados em primeiro lugar. É o amor que faz estas loucuras. Assim também nós, quando a vontade de Deus o exigir, devemos deixar o Pai, Jesus, Maria, pelo irmão».
Deste modo o próximo ocupou o seu lugar no nosso coração.
Mas «quem perde, encontra» (cf Mt 10, 39) e logo entendemos claramente que o próximo não devia ser amado por si mesmo, mas que nele deveríamos amar Cristo. Jesus disse: «...Cada vez que o fizeste a um desses meus irmãos mais pequeninos - e significa todos -, a mim o fizeste» (Mt 25, 40). O nosso modo precedente de considerar e amar o próximo mudou completamente. Se Cristo de algum modo estava presente em todos, não podíamos fazer discriminações nem ter preferências. Desmoronaram todos os esquemas intelectuais que classificam os homens: compatriota ou estrangeiro, ancião ou jovem, bonito ou feio, antipático ou simpático, rico ou pobre. Cristo estava por trás de cada um, Cristo estava em cada um.
Vivendo assim, percebemos que o próximo era para nós o caminho para chegar a Deus. Ou melhor, o irmão era semelhante a um arco sob o qual era necessário passar a fim de encontrar Deus.
Nós o experimentamos desde os primeiros dias. Como era grande a união com Deus, na oração ou no recolhimento, após tê-lo amado o dia inteiro nos irmãos! Quem nos dava aquela unção, aquela consolação interior tão nova, tão celestial, a não ser Cristo que vivia o «dai e vos será dado» (Lc 6, 38) do seu Evangelho? Nós o tínhamos amado o dia inteiro nos irmãos e agora Ele nos amava.
Como nos foi útil este dom interior! Eram as primeiras experiências da vida espiritual, da realidade de um Reino que não é deste mundo, desta terra!
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Vínculo entre amor de Deus e amor ao próximo
A nossa experiência, portanto, nos diz que o amor ao próximo provém do amor a Deus - porque o amamos por Deus - mas o amor a Deus nasce no coração porque amamos o próximo.
Desde o início do Movimento soubemos que existe um vínculo entre o amor a Deus e o amor ao próximo. Igino Giordani para explicar o nosso caminho, empregava o trinômio: Eu - o irmão - Deus. Gregório Magno fala da relação entre o amor a Deus e o amor ao próximo de modo magistral, usando também ele um exemplo muito familiar para nós: o da pequena raiz e da planta. Ele diz: «Os preceitos da caridade são dois, isto é, o amor a Deus e o amor ao próximo. Do amor a Deus nasce o amor ao próximo; e o amor ao próximo alimenta o amor a Deus. Porque quem se descuida do amor a Deus, não é capaz de amar o próximo. Poderemos progredir muito mais no amor a Deus, se antes, no seio do seu amor, formos alimentados com o amor ao próximo. Já que o amor a Deus gera o amor ao próximo, Deus, antes de dizer a Lei: “Amarás o teu próximo' (Mt 22,39), antepôs: “Amarás o Senhor teu Deus”, (Dt 6, 5). Deste modo, no terreno do nosso coração, Ele plantou primeiro a raiz do amor para com Ele e depois desenvolveu-se, como árvore, o amor fraterno. Também São João afirma que o amor a Deus está ligado ao amor ao próximo quando diz: “Quem não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê” (1 Jo 4,20)»1.
E Isidoro de Sevilha sublinha: «A caridade consiste no amor a Deus e no amor ao próximo... Quem se separa da comunhão fraterna, não participa da caridade divina»2.
É do Cura d'Ars esta frase: «Nunca se esqueçam de que, durante todo o tempo em que vocês não amam o próximo, o bom Deus está enfurecido com vocês...»3.
São João da Cruz constata: «Quando o amor que se tem pela criatura é um afeto todo espiritual e está alicerçado somente em Deus, à medida que cresce, cresce também o amor a Deus em nossa alma; nesse caso, quanto mais o coração se lembra do próximo, mais se lembra de Deus e o deseja. Estes dois amores crescem concorrendo cada um para o crescimento do outro»4.
Estas palavras foram transcritas por Santa Teresa de Lisieux atrás de uma pequena imagem para uma noviça que temia amar excessivamente a sua mestra de noviciado.
É esplêndido o que padre Dhanis diz sobre o amor ao próximo, visto como um «transbordar» do amor de Deus sobre o homem. Exprime o mesmo modo de pensar do nosso Movimento. Diz: «Se nos perguntarmos de que maneira Jesus considera a estreita união entre a caridade fraterna e o amor a Deus, é preciso responder que Ele interpretou a caridade fraterna como um transbordar do amor de Deus. Ele quis que os seus discípulos colocassem, se é possível dizer assim, os próprios corações em uníssono com o do Pai celeste e que, desta forma, o amor deles para com Deus se estendesse àqueles que Deus ama como seus filhos... São João exprimiu isto na fórmula tão rica de significado: “Todo o que ama Aquele que gerou ... ame também aquele que dele nasceu...”.
«Um dos aspectos profundamente confortantes da figura da Igreja atual - diz ainda padre Dhanis - na crise que a abala ... é, em muitos fiéis, uma compreensão, de certo modo renovada, da prioridade que deve ser dada, na vida cristã, ao amor a Deus e ao próximo. Esta renovação deu-se na exegese, na teologia moral e na teologia espiritual. Trata-se de uma realidade intensamente vivida em institutos e movimentos religiosos, nos quais sabe-se perfeitamente que o amor cristão autêntico não pode se realizar sem a cruz de Jesus; mas nesses movimentos reina - justamente por isso - uma alegria que já faz pensar
1 Cf GREGORIO MAGNO, "Moralia o Esposizione sul libro del S. Giobbe", 1.7.28, "Gb" 24,14, PL 75, 780-781.
2 ISIDORO DI SIVIGLIA, "Sentenze", II, 3,7, PL 83, 603.
3 Cf CURATO D'ARS, "Scritti scelti", Roma 1975, p. 114
4 GIOVANNI DELLA CROCE, "Maximes et avis spirituels", 129, I, p. 409, cit. da P.Descouvemont, "Teresa di Lisieux e il suo prossimo", Roma 1977, p. 226.
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no céu»5. Quando escreveu isso, o autor pensava - como coloca em uma nota - nos Pequenos Irmãos de Foucauld e nos Focolarinos.
Num editorial de «La Civiltà Cattolica» entre outras coisas, procura-se aprofundar a distinção e o nexo que existe entre os dois mandamentos: amar a Deus e amar o próximo. O amor a Deus e o amor ao próximo - está escrito - «eram conhecidos pelos contemporâneos de Jesus, porque são mencionados no Antigo Testamento (Dt 6, 5; Lv 19, 18). Aquilo que caracteriza Jesus é a grande importância que Ele dá a estes dois mandamentos em relação aos demais e o nexo que estabelece entre eles, fazendo dos dois um só mandamento com duas faces e colocando no amor a Deus o fundamento do amor ao próximo.
Jesus dá prioridade ao amor a Deus. ... Ele deve ser amado com absoluta totalidade, isto é: “Com todo o coração, com toda a alma e com todo o entendimento”... (Mt 22,37). É do amor pelo Pai que jorra em Jesus o amor pelos homens, a vontade de sacrificar-se por eles. Com efeito, estando para enfrentar a paixão e a morte, Jesus diz: “Para que o mundo saiba que amo o Pai e faço como o Pai me ordenou, levantai-vos, partamos daqui” (Jo 14,31)»6.
Chiara Lubich
5 Cf E. DHANIS, "Le message èvangelique de l'amour et l'unité de la communauté humaine", in "Nrth", febbraio 1970, p.186-188.
6 Cf "Amore di Dio e amore del prossimo", in La civiltà cattolica, 3053, 3 settembre 1977, p. 346-347.
Fonte:
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(Tradução)
Lucerne (Suíça), 16 de maio de 1999
A família é o futuro
Sua raiz Trinitária
A família está indissoluvelmente entrelaçada ao mistério da própria vida de Deus, que é Unidade e Trindade: «Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele o criou; homem e mulher ele os criou. Deus os abençoou e lhes disse: «Sede fecundos, multiplicai-vos; enchei a terra...» (Gn 1, 27-28)
E quando alguém pediu a Jesus que falasse sobre o matrimônio, ele citou exatamente essa frase do Gênesis, recomendando reportar-se «ao princípio» para entender alguma coisa do mistério do amor conjugal.
Quando Deus criou o gênero humano, plasmou uma família, isto é, um homem e uma mulher chamados à comunhão, à imagem do mistério do amor do seu próprio ser; chamados à fecundidade e ao uso de toda a Criação, à semelhança da inesgotável paternidade de Deus.
«À luz do Novo Testamento» – afirma João Paulo II – «é possível vislumbrar como o modelo original da família deve ser procurado no próprio Deus, no mistério trinitário da sua vida. O "Nós" divino constitui o modelo eterno do "nós" humano; e, em primeiro lugar, daquele "nós" que é formado pelo homem e pela mulher, criados à imagem e semelhança de Deus»1.
Exatamente aqui a família lança as suas raízes.
O mistério do amor compreende certamente toda a Criação. As leis da natureza são leis de amor e o amor humano resume e sublima este contínuo jogo de unidade e distinção.
Guardiã da vida e depositária das relações de amor
O amor humano tem as suas estações. Começa com o enamorar-se, como uma centelha do amor de Deus para "acender" uma família. Um lampejo que ilumina com luz nova a pessoa amada, uma novidade que transforma a vida, que dá felicidade e entusiasmo para partirem juntos numa viagem da qual não se vê o fim. É como que o patrimônio genético de um casal.
Depois vem a estação dos frutos, do crescimento, da consolidação. As situações mudam, o próprio ser do homem no tempo evolui e se transforma. O amor conhece outros momentos, outros sabores, outras expressões e a capacidade de amar deve renovar-se continuamente.
O futuro dos esposos está todo contido nesta dinâmica que os faz ser uma só coisa de modo indissolúvel. Um futuro que os conduz além deles mesmos, em especial por meio da geração de novas vidas.
De fato, a fecundidade conjugal tem múltiplas expressões, a mais típica das quais é o florescer de novas vidas humanas.
Na procriação, os esposos cooperam com a ação criadora de Deus que, por meio deles, alarga a sua família na terra. Escreve Bonhoeffer: «Deus torna os homens e as mulheres partícipes do seu contínuo ato criativo. Os pais acolhem de Deus os seus filhos, que a ele devem retornar»2. Na criança que nasce, que vem à luz, está o modo típico de os esposos, de certa forma, darem Deus ao mundo.
1 Cf. João Paulo II, Carta às famílias, 6, in Insegnamenti di Giovanni Paolo II, XVII (1994) 1, Città del Vaticano 1996, p. 261.
2 Da una predica di D. Bonhoeffer dal carcere militare di Berlino in occasione di uno sposalizio, maio de 1943
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A paternidade é uma etapa importante do futuro da família. É um acender-se e multiplicar-se de novos relacionamentos, um fenômeno que aumentará à medida que a experiência da família progride no tempo. Assim, a família se torna um tesouro, um admirável entrelaçar-se de relações de amor, de familiaridade, de amizade; amor nupcial entre os esposos, amor materno-paterno pelos filhos, amor filial pelos pais, amor fraterno entre os filhos, amor dos avós pelos netos e vice-versa, pelos tios, pelos primos, pelos amigos de casa, pelos vizinhos...Deus realmente pensou na família como uma misteriosa joia entrelaçada de amor.
Dimensão social e influência na sociedade
A família se transforma, neste percurso, da unidualidadehomem-mulher para a comunhão de pessoas, como uma fonte que do fresco e generoso jorro inicial, se torna aos poucos riacho que fecunda uma superfície cada vez mais vasta.
A família se faz, desse modo, geradora de socialidade. Cícero já a definia «princípio da cidade e como que sementeira do Estado»3.
Sendo recurso para os seus componentes nas diversas estações da vida, e sendo criada por Deus à imagem do seu mistério de amor, a família é o modelo ideal para qualquer sociedade humana. Já em 1993, num congresso realizado em Roma, em preparação ao Ano Internacional da Família, comuniquei este meu pensamento4, evidenciando a riqueza dos valores inerentes à família quando ela está em sintonia com os desígnios de Deus. Valores que, projetados e aplicados à humanidade, podem transformá-la numa grande família: valores como a comunhão, a solidariedade, o espírito de serviço, a reciprocidade - que se apresentam, por assim dizer, como coisas "normais" na convivência familiar - poderiam ser uma novidade revolucionária para estruturas institucionais esclerosadas e pontos de referência para uma nova ordem social.
No mundo já existem estruturas e instituições para o bem da pessoa humana, mas é preciso humanizar essas estruturas, dar-lhes uma alma, de modo que o espírito de serviço atinja aquela intensidade, aquela espontaneidade e aquele estímulo de amor pela pessoa, que se respira na família5.
Para essa autêntica e profunda revolução social não são necessárias grandes mudanças. Bastaria que cada família fosse verdadeiramente ela mesma, e se sentisse questionada pelo veemente apelo de Baden-Powell, fundador do escotismo: «Família, torne-te aquilo que és!» 6.
Situação da família na atualidade
Se observarmos a situação internacional da sociedade que nos circunda, estas nossas breves reflexões sobre o que é e o que deveria ser a família podem parecer uma ingênua utopia.
A mundo ocidental foi invadido por uma cultura individualista, preocupada sobretudo em classificar e valorizar o homem e a mulher segundo as necessidades e o consumo. De tal modo, em vez de ser dom divino de relação, a sexualidade torna-se um ídolo inimigo da integridade do homem, cada vez mais separada do amor e da fecundidade. Vive-se de emoções capazes de jogar com os indivíduos, compondo, descompondo e recompondo os casais, destruindo aquela confiança fundamental na estabilidade dos sentimentos, que é indispensável à vida familiar7.
3 Cf. T. Sorgi, Costruire il sociale. La persona e i suoi piccoli mondi, Roma 1991.
4 Cf. supra, pp. 267-269.
5 Cf. AA.VV., Familyfest, una proposta per il 2000, Roma 1993, p. 11.
6 Cf. C. e L. Gentili, Per star bene in famiglia, Roma 1998, p. 11.
7 Cf. G. Di Nicola - A. Danese, Amici a vita, Roma 1997, p. 39.
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Os filhos são as primeiras vítimas de tais situações, privados como são da referência da unidade dos pais e vítimas da fragmentação dessas figuras em numerosos e sucessivos pseudogenitores.
«A família», escreve Bovet, «é como um "organismo", e os seus membros são como os seus órgãos. Assim como a cada organismo pertencem cabeça, coração, células, assim à família pertencem pai, mãe e filhos. Os filhos devem poder experimentar um profundo e pleno relacionamento com o pai e com a mãe para poderem honrá-los e amá-los»8.
Hoje, contudo, o vínculo matrimonial estável parece quase estar em contradição com a liberdade pessoal. Mais que os valores relacionais, enfatizam-se as diferenças e as conflitualidades.
A crise da instituição familiar pode ser entendida como um fenômeno social, mas não é apenas isso. Comemoramos há pouco o 50° aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, uma "carta" fundamental para a convivência civil, uma etapa importante para a sua humanização. Entretanto, as violações patentes e encobertas desses direitos são inúmeras, invadem os nossos meios de comunicação e enchem-nos de tristeza. E são todas injustiças que, em última análise, recaem sobre a família, a menor e mais indefesa parte da sociedade.
A família é hoje, em certo sentido, o "receptáculo" da dor da humanidade. Não existe sequer uma agência de estatística mundial que possa dar-nos a dimensão deste fenômeno. Podemos apenas fazer-nos algumas perguntas: quantos parceiros separados e frustrados? Quantas crianças privadas de um pai ou de uma mãe? Quantos filhos caíram na dependência das drogas? Quantos no redemoinho da delinquência e da prostituição? Quantos esposos e filhos foram arrebatados pelas guerras? Quantos anciãos estão abandonados? Quantas crianças morrem de fome a cada dia? Quantos doentes terminais se apagam no gelo da indiferença? E quantos são os incuráveis? E o que dizer do mundo dos diversamente hábeis?
Podemos representar plasticamente a família contemporânea com uma imagem: uma mãe ferida e desolada, que recolhe em seu seio o sofrimento da humanidade e grita aos céus o seu "por quê?"
É uma situação que deixa quase sem respiro. E nos perguntamos: qual o futuro da família? Ou pior: existe um futuro para a família?
Jesus abandonado
Diante do grande mistério da dor, ficamos desorientados.
Existe na Bíblia um ápice de dor, expresso através de um "por quê" gritado ao Céu. Quem a transmite é o evangelista Mateus, narrando a morte de Jesus: «Às três horas, Jesus grita em alta voz: " Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?"» (Mt 27, 46).
Cristo chegou àquele momento passando por uma gama de sofrimentos devastadores; o medo angustiante, a traição e o abandono dos seus, um processo injusto e maquinado, a tortura, a humilhação, a condenação à cruz, pena capital reservada aos escravos e que talvez nós hoje não consigamos avaliar na sua crueldade destruidora da pessoa e da sua memória.
No fim, aquele grito inesperado e que deixa entrever o drama do Homem-Deus, «por que me abandonaste?» é o ápice das suas dores, é a sua paixão interior, é a sua noite mais escura. Ele, que tinha dito: «Eu e o Pai somos uma coisa só» vive a trágica experiência da falta de unidade, da separação de Deus. E isso porque, por amor do homem, tomou sobre si todo o negativo, todo o pecado da humanidade.
Naquele abandono, expressão última e maior do seu amor, Cristo atinge a extrema anulação de si mesmo e reabre aos homens o caminho da unidade com Deus e entre eles. Naquele "por quê?", que para ele ficou sem resposta, todo o grito do homem encontra resposta. Não é semelhante a ele o angustiado, o só, o fracassado, o condenado? Não é uma imagem dele cada divisão familiar, entre grupos e entre povos? Não é a figura de Jesus abandonado quem perde, por assim dizer, o sentido de Deus e de seu
8 T. Bovet, Situazione dei cristiani nel mondo, Zurigo 1944.
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desígnio sobre a humanidade, ou, quem não crê mais no amor e aceita em seu lugar qualquer substituto? Não existe tragédia humana nem fracasso familiar que não estejam contidos na escuridão que se abate sobre o Homem-Deus. Com aquela morte ele já pagou tudo; assinou um cheque em branco, capaz de conter a dor e o pecado da humanidade que existiu, que existe e que existirá.
Naquela tremenda experiência, como que um divino grão de trigo que apodrece e morre para restituir-nos a vida, ele nos revela também a verdade de maior amor: ser capaz de dar tudo de si, de fazer-se nada pelos outros. «O sinal de Deus que anula a si mesmo», escreve Balthasar, «fazendo-se homem e morrendo no mais completo abandono, explica porque Deus tenha aceitado (...) tudo isto: correspondia desse modo à sua natureza que é manifestar-se como um amor sem medidas»9.
Por meio daquele vazio, daquele nada, voltou a fluir a graça, a vida de Deus ao homem. Cristo refez a unidade entre Deus e a Criação, recompôs o desígnio, fez homens novos e, por conseguinte, famílias também novas.
A família pode recompor-se no seu esplendor
O grande evento do sofrimento e do abandono do Homem-Deus pode, portanto, tornar-se o ponto de referência e a fonte secreta capaz de transformar a morte em ressurreição, os limites em ocasiões para amar, as crises familiares em etapas de crescimento. Como?
Se olharmos com olhos somente humanos o sofrimento, as possibilidades são duas: ou vamos terminar numa análise sem saída, porque dor e amor fazem parte do mistério da vida humana; ou então procuramos remover aquele empecilho incômodo, fugindo para outras direções.
Mas se acreditarmos que por trás da trama da existência, está Deus com o seu amor e se, fortalecidos por esta fé, percebermos nos pequenos e grandes sofrimentos do dia a dia, nossos e dos outros, uma sombra da dor de Cristo crucificado e abandonado, uma participação na dor que redimiu o mundo, será possível compreendermos o significado e a perspectiva até mesmo das situações mais absurdas.
Diante de qualquer sofrimento, grande ou pequeno, diante das contradições e dos problemas insolúveis, experimentemos penetrar em nós mesmos e olhar de frente o absurdo, a injustiça, a dor inocente, a humilhação, a alienação, o desespero... Reconheceremos neles um dos tantos semblantes do Homem das dores.
É o encontro com ele, que de "Pessoa divina" se tornou indivíduo sem relacionamentos. É o Deus do homem contemporâneo, que transforma o "não ser" em "ser", a dor em amor. Será o nosso "sim", o nosso gesto de amor e de acolhimento a ele que começará a desfazer o nosso individualismo, fazendo-nos homens novos, capazes de curar e revitalizar, com o amor, as situações mais desesperadoras. Mas é possível tudo isto?
Podemos mencionar duas experiências emblemáticas.
Claudette, uma jovem esposa francesa, foi abandonada pelo marido. Tinha um filho de um ano. O ambiente fechado da província e da sua família leva-a a pedir o divórcio. Neste meio tempo conhece um casal que lhe fala de Deus, de um Deus que está bem perto de quem sofre: «Jesus ama você» – dizem-lhe –; também ele, como você, foi traído e abandonado; nele você pode encontrar a força para amar, para perdoar». Lentamente vai desaparecendo nela o ressentimento e começa a mudar de atitude. Também o seu marido nota a mudança. Quando se encontram diante do juiz para a primeira audiência, Claudette e Lourenço se olham de modo novo. Aceitam rever a situação por seis meses. Retomam os contatos entre eles e no momento em que o juiz os convoca para sancionar o divórcio, respondem «não» e descem de
9 Cf. H.U. von Balthasar, Solo l’amore è credibile, Torino 1991, p. 143.
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mãos dadas as escadas do tribunal. O nascimento de outras duas filhas alegrará um amor que na dor colocou raízes profundas.
E ainda. Uma bela família, justamente da nossa Suíça, uma noite recebe do próprio filho a notícia de que ele é dependente de drogas. Tentam tratá-lo, mas é em vão. Um dia não volta mais para casa. Sentimentos de culpa, medo, impotência, vergonha.
É o encontro com Jesus abandonado, em uma típica chaga da nossa sociedade. Eles o abraçam nesse sofrimento e parece-lhes ouvir no coração: «O amor verdadeiro se faz um com o outro, entra na sua realidade...». Os pais se abrem à solidariedade, vão ao encontro desses sofrimentos. Organizam um grupo de famílias que levam lanches e chá aos jovens da Platzspitz, que então representava o inferno da droga em Zurique. Lá um dia, reencontram o próprio filho desfigurado, destruído. Com a ajuda também de outras famílias foi possível iniciar e levar até o final seu longo caminho de recuperação.
E poderíamos continuar...
Não são sonhos, são as experiências cotidianas de muitas famílias que, por meio do plano inclinado do abandono do Homem-Deus, mudaram a imensidão da sua dor em uma vida nova.
Às vezes, os traumas são remediados, as famílias são unidas novamente, às vezes não. As situações externas permanecem como antes, mas a dor é iluminada, a angústia é serenada, a fratura é superada. Às vezes, o sofrimento físico ou espiritual permanece, mas adquire um sentido, quando se une o próprio sofrimento à Paixão de Cristo, que continua a redimir e a salvar as famílias e a humanidade inteira. E então o jugo se torna suave.
A família pode, portanto, tentar recompor-se no esplendor original do desígnio do Criador, sorvendo da fonte de amor que Cristo trouxe à terra.
Penso que os esposos e as famílias podem saciar naquela fonte toda sede de autenticidade, de comunhão contínua e sem reservas, de valores transcendentais, duradouros, sempre novos. Até porque é o próprio Deus que pode fazer-se presente na casa deles, para compartilhar com eles a sua própria vida. Jesus disse: «Onde dois ou mais estiverem reunidos no meu nome – ou seja, no meu amor –, ali estou eu no meio deles» (Mt 18, 20). É uma esplêndida possibilidade oferecida também à família: tornar-se lugar da presença de Deus.
Para uma família que vive assim, nada é alheio, daquilo que acontece ao seu redor. Sendo simplesmente aquilo que é, ela tem a capacidade de testemunhar, anunciar, sanar o tecido social ao seu redor, porque a vida fala e opera por si só. É experiência minha que a família sabe abrir casa e coração às urgências e aos dramas que invadem a sociedade, às suas solidões, às suas marginalizações. Sabe até mesmo concretizar e organizar a solidariedade em círculos cada vez mais extensos, chegando a promover ações eficazes para influir junto às instituições, bloquear leis e disposições errôneas, orientar os políticos.
Pela presença e atividade dos seus membros nos vários segmentos sociais, a família sabe também entrar em diálogo com as instituições, encontrar os meios para atender às necessidades concretas, criar a consciência e as premissas para adequadas políticas familiares e para formar correntes de opinião fundadas sobre valores. Creio que para o mundo não exista cosia mais bela do que uma família assim. Porque, perguntamo-nos, o que busca a humanidade? A felicidade. E onde a procura? No amor, na beleza; e para obtê-la está disposta a qualquer coisa. Lá, naquelas famílias, existe a plenitude do amor humano e a beleza do amor sobrenatural.
Eu conheço famílias assim e são maravilhosas! Elas exercem uma grande atração sobre todos. Aparentemente parecem famílias como as outras, mas escondem um segredo, um segredo de amor. A dor amada as une a Cristo que mora nos seus lares, atraído pelo amor recíproco que as une, e com estas famílias, transforma o mundo.
Conclusão
Centro Chiara Lubich Movimento dos Focolares
www.centrochiaralubich.org
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Quis partilhar com todos estes pensamentos que tirei do profundo do meu coração e da experiência de tantas famílias. Gostaria de despertar em todos nós um compromisso concreto de ação em todas as formas e de todos os modos possíveis para o verdadeiro bem da família. É extremamente importante a saúde da primeira célula da sociedade para o destino da humanidade.
«Salvar a família», escreve o grande escritor católico, Igino Giordani, «é salvar a civilização. O Estado é feito de famílias; se estas decaem, também aquele vacila»10. E diz ainda: «Os esposos se tornam colaboradores de Deus dando à humanidade vida e amor. (...) Amor que da família se expande para a profissão, para a cidade, para a nação, para a humanidade. É uma distribuição em círculos como uma onda que se propaga até o infinito. Há vinte séculos arde uma inquietude revolucionária, ateada pelo Evangelho, e requer amor».11
(Nuova Umanità, 21 [1999/5], 125, pp. 475-487)
10 I. Giordani, Famiglia comunità d’amore, Roma 1994, p. 15.
11 I. Giordani, Il laico Chiesa, Roma 1988, pp. 107ss.
Equilíbrio Divino
Roma, 1950
«In patientia vestra possidebitis animas vestras» (Lc 21, 19)1.
Com esta palavra, Jesus nos ensina a viver bem o momento presente de nossa vida, a vivê-lo em profundidade, com perfeição, até o cumprimento. E isso conta no cristianismo: cumprir bem as coisas.
De fato, “tarefa bem começada já está meio acabada”, é um provérbio da sabedoria humana, bom, portanto, mas não feito para todos. Entretanto, “Aquele que perseverar até o fim, esse será salvo” (Mateus 10,22), é da Sabedoria divina.
O Senhor sabe que o início de todos os homens, exceto Maria, é um início ruim, por causa do pecado original. Não foi à toa que Ele se fez homem para nos salvar. Logo, o que importa é acabar bem: treinar para aquele instante do qual depende a eternidade.
Ele nos ensina a gerir bem as nossas coisas, a nos aplicar em tudo o que devemos fazer na vida, com o amor paciente que sabe sofrer bem, que mantém vivo em nós o controle da nossa alma, a ponto de possuí-la. Em nossa alma está Deus, e nós, possuindo a nossa alma, sendo donos dela sempre na nossa vida presente, guardamos em nós — feitos tabernáculos — Deus que nela está presente.
Esta Palavra de Vida nos ajuda a recordar e viver a presença de Deus em nós. Isso diretamente, quando rezamos, meditamos, estamos sós. Indiretamente, quando vivemos uma vontade de Deus que nos faz prestar todas as nossas atenções fora de nós, como quando há um irmão que deve ser amado ou um trabalho a ser feito.
Muitas vezes, estar em meio aos homens e mergulhar nossas faculdades em trabalhos, como o estudo, o emprego etc, perturba a nossa intimidade com Deus e não sentimos a sua paz e a doçura que sua presença traz.
Mesmo quando começamos um trabalho para Ele ou estamos em contato com pessoas religiosas, passado algum tempo ficamos distraídos, e o eu tomou o lugar de Jesus em nós de tal modo que uma mudança qualquer da vontade de Deus sobre nós custa, e o próprio trabalho em que mergulhamos nos causa tédio.
Tudo isso depende do fato de termos perdido o controle da nossa alma, a posse. E isso porque não soubemos ter a paciência com a qual possuímos a alma. Vivendo essa Palavra, a nossa vida muda: caem palavras inúteis, tudo se ordena em nós e ao redor de nós, o resultado do trabalho se multiplica, adquirimos a paz estável, deixamos de ser omisso, ouvimos a voz de Deus, evitamos contínuos atos humanos em vez de sobrenaturais, que esvaziam a alma e apagam a luz, e a alma vive constantemente iluminada por Deus.
Dado que essa Palavra fala principalmente de recolhimento, e nos concentra no pensamento de possuir a nossa alma, ela pode ser mal interpretada — não tomada no sentido de Jesus — por quem, recolhendo-se em sua alma com um amor excessivo em relação à alma do outro, mantém-se fechado, apagado e mudo ao contato com o próximo. Quer dizer que existe algum apego a si mesmo e pouco amor pelo Amor que em nós nos estimula sempre a amar.
Nessas almas vislumbramos um quê de artificioso e de morto. Essa Palavra, como todas as de Jesus, quer o equilíbrio em nós: que não excedamos nem num sentido, nem no outro.
Todo excesso impede que Jesus se manifeste em nós.
A alma que ama bem — e que, por isso, põe as suas palavras em prática — é aquela que sabe onde Deus está: se está numa vontade de Deus exterior como, por exemplo, num trabalho, lança-se inteiramente nesse trabalho para ser a sua vontade viva. Mas não esquece que o tem na alma e que Ele está em cada irmão. Além disso, sabe que Deus está presente em todo lugar e que sempre olha por ela. E, embora estando projetada naquela divina vontade em que Deus a quer principalmente, ama-o em todo lugar e sabe deixá-lo à parte, se a Vontade de Deus muda, para encontrá-lo em outra parte.
E podemos amar ao mesmo tempo Deus em nós e Deus fora de nós. Basta pensar no amor materno, tão bonito, mas também limitado. Contudo, esse amor é tanto que permite que a mãe ame todos os seus filhos mesmo quando está cuidando de só um.
O amor sobrenatural em nós deve ter a altura, a largura, a profundidade, a universalidade, a particularidade do amor de Deus. “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei.”
O nosso equilíbrio não é apenas quietude, nem apenas movimento, nem uma mistura dos dois. Ele deve ser comparado a uma corda esticada e puxada de ambos os lados por forças iguais. Se alguém, por impaciência, negligencia a presença de Deus dentro de sua alma, a sua vida — mesmo parecendo caridade fraterna — é uma caridade frívola, leviana, superficial e perigosa, porque não está apoiada na Rocha e, portanto, não é caridade. Essa alma parece mais um pião. Se, ao contrário, uma pessoa está paralisada em si mesma, sem o amor, está morta.
A alma que tem o verdadeiro amor é como Maria, a Mãe celeste, toda cativada pelo seu Deus, unicamente por Deus, que encontrou em si no recolhimento de sua vida antes da Anunciação, na vontade de Deus manifestada pelo anjo, no Menino Jesus, na Cruz, em são João, no chamado do alto na Assunção. Deus, tudo para ela, porque ela sempre possuiu a sua alma com a paciência.
Chiara Lubich
1(Chiara Lubich - Ideal e Luz - Cidade Nova e Editora Brasiliense - São Paulo, 2003 - Pág. 168-170). Para este seu comentário de Lc 21, 19, dos anos 1950, Chiara Lubich retomou o texto da Vulgata que, traduzido literalmente, significa: «Com a vossa paciência possuireis vossas almas». A tradução atual da CEI é: «Com a vossa perseverança salvareis as vossas almas» [N.d.C.].
13 Dezembro 2015
Giordani lê o Magnificat do ponto de vista da misericórdia e evidencia a sua potência revolucionária: emergem “as diretrizes em que social e politicamente, além de espiritualmente, se traduz o ideal evangélico”.
” Magnificat “- Comunidade de Taizé
No centro deste potente hino que é o Magnificat, onde se reúne o ardor dos profetas com a profecia da redenção, está inserida uma menção à misericórdia divina, que pode parecer um acréscimo retórico. Ao invés, me parece que aquela alusão àmisericórdia do Pai, no centro do hino, tenha um valor capital, e contenha a explicação daquela concisa, exuberante lista de fatos divinos, que dá à improvisação poética da jovenzinha de quinze anos, que guardava e maturava Jesus no ventre, uma beleza inaudita e uma imediação constante.
Na primeira parte, Maria exalta o «Poderoso que fez coisas grandiosas» para a sua «serva», de modo que as gerações vindouras, todas, a declararão bem-aventurada. Deus fez o milagre da encarnação do Verbo através de uma menina pobre, humilde, de uma desconhecida aldeia de Israel; ato do qual virá a salvação para a humanidade de todos os tempos. Então ela observa: «o seu nome é santo – e a sua misericórdia (se estende) de geração em geração…».
Portanto, a redenção nasce de um ato de piedade do Pai divino para com os homens. Se ele realizou aquele prodígio de amor, que só um Deus podia realizar, de fazer com que nascesse o Filho na terra, de uma jovenzinha do povo e de fazer com que ele morresse num patíbulo pelo bem da humanidade, se deve a um ato de misericórdia, se deve a um milagre daquela misericórdia, que é o amor elevado ao ápice.
Ele exige que se perdoe o irmão não até sete vezes, mas até setenta vezes sete: em prática, sempre, infinitamente; que se ame o irmão até dar a vida por ele.
Deus «socorreu Israel, seu servo, – lembrando-se de sua misericórdia…».
Numa palavra, tudo, no governo divino, se reconduz à misericórdia. E se verá isso confirmado e esclarecido na conduta daquele Jesus, por cujo amor Maria fala, seja quando ele dará de comer às multidões e curará enfermos, seja quando flagelará os mercantes no templo e bramará vocábulos ásperos contra os fariseus e os soberbos.
É o hino da total revolução cristã. Mas o aspecto mais revolucionário dela está justamente no que é o seu princípio: a misericórdia. Por ela não destrói, mas cria, porque o amor por Deus e pelo homem não produz senão o bem.
O Magnificat especifica as diretrizes do processo de evolução, transformação e renascimento, em que social e politicamente, além de espiritualmente, se traduz o ideal evangélico. Uma transformação que parte do amor, e se concretiza na misericórdia.
Um semelhante ideal assume hoje um caráter de urgência e de atualidade nova. Irrompem de toda a parte ideologias e contestações, guerrilhas e revoltas: urgem aspirações grandes e belas e se introduzem programas destrutivos e de ódio. Maria ensina como orientar e construir esta revolução. É uma mulher, a mãe de Deus, que ensina com a palavra e a vida: a vida da mãe da misericórdia. O exemplo dela vale tanto mais, hoje, quanto mais se revaloriza a feminilidade.
Maria nos ensina a estrada da misericórdia.
A este ponto, já é evidente a inutilidade e o absurdo das guerras, isto é, do ódio, e a necessidade de sistemas racionais, feitos de tratativas, de diálogo e, sobretudo, de intervenções e dons, por quem pode em favor de quem não pode. Vemos isso: o envio de armas e de dinheiro em favor deste ou daquele povo serve para alimentar os conflitos, nos quais as pessoas penam, agonizam e morrem; e para depositar germes de ódio contra os próprios doadores. A perspectiva daquela jovenzinha, que entoava entre gente pobre o Magnificat, ou seja, o método da misericórdia, é uma perspectiva de inteligência divina e humana, a única capaz de resolver o problema de um mundo ameaçado por uma última definitiva catástrofe, provocada pela estupidez do ódio, droga de suicídio.
Para reaver a paz, afinal, com o bem-estar, é preciso que nós tratemos das chagas materiais e morais de quem sofre, tanto do lado de cá quanto de lá do Oceano, na Europa e na Ásia, na América e na África, usando uma piedade, fruto de compreensão; uma caridade, que não é fraqueza, mas remoção de injustiças e de egoísmos para fazer da coexistência uma convivência, das nações uma família. Assim quer Jesus, o filho de Maria, como garante também a sua Mãe.
Igino Giordani, em «Mater Ecclesiae» n. 4/1970
Reproduzido pelo Blog de Ademir Rocha, Abaetetuba/Pa
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