quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

TEOLOGIA: FÉ E CIÊNCIA

TEOLOGIA: FÉ E CIÊNCIA

Fonte: http://centrochiaralubich.org

Centro Chiara Lubich

Reflexões após vôos espaciais

Este escrito foi publicado como Editorial na revista Città Nuova (ed italiana) de 10 de maio de 1970, poucos meses depois do extraordinário e incrível desembarque na Lua de três astronautas, em julho de 1969.
Na visão do mundo própria de Chiara Lubich, centralizada na unidade, ciência e fé estão em sinergia: a ciência é um caminho para ir até Deus, enquanto que a fé pode e deve dar uma contribuição à ciência.
Escrevendo no contexto eclesial não fácil depois do Concílio Vaticano II, Chiara parte da experiência dos astronautas para nos introduzir numa compreensão humano-divina da Igreja e da sua estrutura.

Roma, 10 de maio de 1970

«Não é verdade que a ciência e a fé caminhem separadamente por estradas diferentes. A fé ilumina a ciência e a ciência pode ajudar a fé.
Ambas, de fato, estão em busca de um único objetivo: a verdade, que para uma pode ser sobretudo transcendental e invisível, sustentáculo da criação; para a outra, visível, cumpridora perfeita de sua tarefa quando descobre a causa do tudo.
Pouco depois da descoberta empreendida pelos astronautas1, afirmou-se que a ciência está se desenvolvendo tão surpreendentemente, e doando ao homem possibilidades tão extraordinárias que se poderia tornar um ídolo, diante do qual há quem se prostre e quem se assuste. É preciso, porém – como foi salientado – que a ciência, embora grandiosa e admirável, seja recolocada no seu devido lugar e vista, além do mais, como fruto do esforço de homens que podem acertar e também errar.
Podemos - compará-la ao Sol que, concentrado numa lente, é, sem dúvida, diverso do Sol da realidade. A lente, porém, é dele uma pequena e viva representação.
O mesmo acontece com a inteligência humana. Ela concentra em si mesma, em número cada vez maior, as leis disseminadas na criação; pode, de certa maneira, acolher em si a criação. Contudo, é bem diferente o que o pensamento retém e reflete da criação, daquilo que ela é na realidade.
Todavia, as leis da criação são algo objetivo, e portanto, verdadeiro. E o verdadeiro evoca a Verdade absoluta que é Deus.
Após o regresso dos astronautas, o Papa disse, na "Academia Pontifícia das Ciências” que Deus quer ser procurado e encontrado, inclusive através do caminho da ciência, embora mantendo a autonomia entre o saber humano e o da fé.
Se pensarmos, porém, que o homem é uma síntese do cosmo e no passado foi definido como microcosmo; e se meditarmos no fato de que Deus, a Verdade absoluta, fez-se homem em Cristo, homem-Deus, a fé e a ciência se unem. E é também por isso, creio, que o Concílio Vaticano II não teve dúvidas em afirmar que fé e ciência podem ser integradas na unidade do espírito humano.
Esta é a nossa convicção: se a exploração daquilo que foi criado caminha "no mesmo passo" com o estudo de Cristo, a ciência terá inimagináveis iluminações e a fé, por reflexo, poderá encontrar, no universo continuamente redescoberto, novas compreensões do mistério. Na realidade, se nós pudéssemos passar além do véu que encobre a criação, encontraríamos Aquele que sustenta, organiza e move tudo o que vemos. E veríamos — embora na distinção entre a criação e o Incriado — tão grande aderência, aproximação e unidade, que ficaríamos pasmados.
Os místicos tiveram, e não foi raro o caso, intuições ou visões intelectuais daquilo que nós, homens comuns, não podemos ver.
Com maior evidência que a visão que distingue e separa entre si, a flor, o céu, a fonte, o Sol, a Lua, o mar, a noite, o dia, eles viram uma Luz amorosa que tudo sustenta e tudo une, como se a criação fosse um único canto de amor; como se pedras e neve, campos e estrelas estivessem, no mais profundo de seu ser, tão unidos com ela e entre si, a ponto de parecerem criados um em dom ao outro, como se os dois estivessem enamorados.
Pode-se pensar que esta seja a mais profunda causa do Cântico das Criaturas, desabrochado do coração e da mente inflamada de amor de Francisco de Assis.
Quando chama de irmão ao Sol e de Irmã à água2, não diz algo de poético ou sentimental, mas afirma uma verdade por ele intuída e que pode dar uma contribuição à ciência: a unidade existente em todo o universo.
Descobrindo o criador de todas as coisas e — embora de maneira diferente — pai de cada uma, ele as vê aparentadas entre si.
Por outro lado, também alguns cientistas cheios de fé contribuíram para que se compreendesse melhor a revelação. Um exemplo típico permanece Galileu Galilei. Suas descobertas lançam uma luz sobre o fato de que a Escritura, nas coisas científicas, não deve ser interpretada literalmente como está expressa. É evidente que foi escrita para ser compreensível às pessoas daquela época.
Nos períodos áureos do pensamento católico, teologia e ciência estiveram estreitamente ligadas, mas não foi raro o caso em que a teologia correu o perigo de limitar a liberdade científica. Por este motivo, também a ciência, diante de uma teologia não aberta a um humanismo cristão, achou-se em oposição e dirigiu-se por um caminho autônomo.
Esperemos que agora se inicie uma época em que filosofia, teologia e ciência possam convergir.
De todo coração, façamos votos para que isso aconteça. Daria glória a Deus e também aos homens.
Maritain escreve a esse respeito: "O problema da época em que estamos entrando será o de reconciliar ciência e sabedoria... numa unidade distinta"3.
Por enquanto, a própria ciência hodierna com as recentes façanhas dos voos espaciais, pode iluminar alguns aspectos que se referem ao campo da teologia. A ciência, sobretudo em seu conteúdo humano pode fazer-nos meditar sobre os mistérios da Igreja que tiveram particular relevo nos nossos tempos.
Os astronautas, em sua viagem para a Lua e em seu feliz regresso, tiveram que observar escrupulosamente as instruções e os determinados modos de agir.
Dois destes podem ser notados mesmo pelo homem mais leigo no assunto: a exigência de um grande entrosamento entre eles e uma perfeita aderência, obediência, dependência e unidade com a base da Terra, onde cientistas e técnicos estavam prontos a oferecer, e no dever de dar, aquilo que os astronautas não tinham ou não sabiam.
Um dos melhores frutos do Concílio Vaticano II, que quis estudar a verdadeira face da Igreja, foi o de apresentá-la não só em sua perfeita unidade, mas na sua variedade.
O fato de ter autorizado e encorajado o verdadeiro pluralismo é sinal de maturidade e faz prever aprofundamentos nunca imaginados que darão relevo às extraordinárias belezas que cada Igreja local encerra.
A variedade, logicamente, só é possível na unidade, como em Deus a Trindade subsiste com a Unidade.
Ora, para que as Igrejas locais possam, o mais eficazmente possível, cumprir suas próprias tarefas na Igreja universal, para o bem da humanidade, Cristo pede uma dúplice atitude.
A primeira é a unidade, comunhão, entrosamento sobrenatural e humano, entre os membros da própria Igreja local.
Num discurso dirigido à Conferência Episcopal Italiana, o Papa, auspiciando que o laicato católico seja hoje como Deus o quer, disse: "Então, a Igreja verá tempos novos; a Igreja ver-se-á modelada na primitiva tradição cristã... verá sua união fortificar-se na concórdia fraterna e na caridade operante: verá sua irradiação no mundo se tornar mais ampla e mais benéfica"4.
Enfim, o Papa prevê um retorno ao testemunho do "um só coração e uma só alma"'5 dado pelos primeiros cristãos.
A segunda atitude pedida por Cristo às Igrejas locais é a unidade com a "base": Pedro.
Neste tempo, em que se enfatizou a verdade e o valor da colegialidade, não se pode esquecer que somente a uma pessoa Jesus disse: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja"6. O Papa é, com efeito, "visível princípio de unidade, seja dos bispos, seja da multidão dos fiéis"7.
Se para voar nos espaços e não comprometer tudo, é necessário manter-se, em determinados limites estabelecidos pela base, para levar as almas ao Reino dos céus, as Igrejas devem permanecer no único caminho indicado por Cristo: a unidade com o Papa.
As Igrejas locais não podem se eximir de perguntar humildemente ao sucessor de Pedro, assim como os astronautas faziam com a base de Houston: "Como é que vão as coisas?" E é o Papa que tem o carisma para dizer se estamos ou não no caminho certo.
Esta dúplice atitude de profunda união dos membros entre si e com Roma, faz com que – pelo mistério do corpo místico, constituído à imagem da santíssima Trindade – em todo lugar onde há uma Igreja, aí esteja a Igreja.
Ora, se isto vale para as Igrejas instituídas por Cristo sobre o fundamento dos Apóstolos, com maior razão vale para qualquer grupo espontâneo ou movimento, que tenha surgido ou possa surgir entre os fiéis.
Se assim for, constataremos – imersos numa florescente primavera universal – que, no mais pequeno recanto habitado por cristãos, será verdadeiro o que disse São Boaventura: "Onde dois ou três estão unidos em nome de Cristo, aí está a Igreja".»8
Chiara Lubich
Transcrição
1 Em 21/7/1969 os dois americanos Armstrong e Aldrin desembarcaram na Lua, no «Mar da tranquilidade»
2 Cf. S. Francesco d’Assisi, Il cantico delle creature, in Fonti Francescane, I, Assisi 1977, p. 178.
3 Cf. J. Maritain, Scienza e saggezza, Torino 1964, p. 79.
4 Insegnamenti di Paolo VI, VIII, 1970, p. 300.
5 Cf. At 4, 32.
6 Mt 16, 18.
7 Lumen gentium, 23.
8 Cf. S. Bonaventura, Coll. in Hex., I, 5, Firenze 1934, p. 2. Cf. anche Tertulliano, De exhort., cast., 7: PL 2, 971.


Seg, 06 de Fevereiro de 2012 08:00


Reproduzido pelo Blog do Prof. Ademir Rocha, de Abaetetuba/Pa

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