sábado, 3 de maio de 2014

A Ditadura da Felicidade - Texto de clicfolha.com.br

A Ditadura da Felicidade

Fonte: www.clicfolha.com.br

30/04/2014 às 20h25

A ditadura da felicidade

Por Padre Robison Inácio


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Já estamos todos acostumados a ouvir que temos que ser felizes, a qualquer preço. Durante a conversa com uma jovem ouvi a seguinte ideia: “Me esforço para viver o hoje e ser feliz, custe o que custar.” A fala dessa jovem me fez pensar em uma ditadura velada que tem determinado a forma de pensar e o comportamento de uma maioria esmagadora de pessoas: a ditadura da felicidade. A sociedade de consumo e de bem-estar dita que ser feliz é um dever a ser cumprido. Este ser feliz é marcado por um reducionismo perigoso, que na prática consiste em poder consumir e gozar de todas as facilidades promovidas pela cultura do bem-estar. A ideia de que “você tem que ser feliz, custe o que custar” é tão prejudicial quanto a ausência total de felicidade.

A pessoa que se programa para ser feliz, a todo instante, não consegue lidar com o fracasso, com a frustração, com a incapacidade e nem com a ineficiência. A ditadura da felicidade é tão cruel quanto os métodos utilizados pelos nazistas para purificar a raça ariana ou quanto os métodos de tortura utilizados pelos militares, durante o regime de exceção. Quem não corresponde aos ditames do ser feliz é excluído do convívio social e dos círculos de consumo. A sociedade de consumo e de bem- estar apregoa que para ser feliz, a pessoa deve consumir até chegar ao estado otimizado de bem- estar. Muitos são os que se enveredam por esse caminho e constatam, após anos de consumo desenfreado, um vazio existencial profundo.

Ser feliz o tempo todo é um propósito que a vida neste mundo não suporta. A busca pela felicidade é justa e louvável, entretanto, aceitar a infelicidade, como possibilidade, nos ajuda a viver com mais equilíbrio. Nossa vida, neste mundo, consiste na alternância constante entre momentos de felicidade e de infelicidade. O desejo de ser feliz a todo instante, dentro de uma realidade finita, revela uma falta de compreensão acerca do sentido da vida. Descobrir o sentido da vida consiste em perceber a razão que nos faz viver bem, conjugando, a felicidade e a infelicidade, sem chegar a desistir da existência.

A felicidade genuína está associada, fundamentalmente, ao ser e não ao ter. Não basta a posse, considerando que a felicidade está relacionada ao modo de ser no mundo. Adeptos da doutrina marxista militam para construir, neste mundo, o paraíso sem luta de classes. Nesse paraíso terreno, as pessoas seriam felizes e essa felicidade seria garantida pela ditadura do proletariado. Nesse aspecto o capitalismo e a doutrina marxista se confluem, e ambos defendem a importância de um paraíso terrestre, que proporcione às pessoas a felicidade a qualquer custo. O cristianismo é, profundamente, humilde ao reconhecer a impossibilidade de felicidade total, neste mundo, e ao apresentar a felicidade, em plenitude, como reserva escatológica para o momento vindouro, chamado eternidade.

O cristianismo insiste na importância de construir uma vida feliz aqui, uma felicidade que seja elevada à plenitude, na vida do mundo que há de vir. A fundadora do Movimento Focolares, Chiara Lubich, em um de seus escritos afirmou: “construímos o paraíso aqui para habitá-lo lá.” Nesta afirmação, vemos esgotada toda pretensão humana de construir o paraíso neste mundo para habitá-lo aqui mesmo. O pensamento de Chiara Lubich salvaguarda a reserva escatológica, tão cara à tradição cristã. A proposta cristã de vida feliz comporta a aceitação do sofrimento, da dor, da perseguição, da pobreza e da morte, sem perder a esperança na vida bem-aventurada, que terá seu pleno acabamento na eternidade.

No horizonte cristão ser feliz implica aceitar que Deus nos criou para a felicidade, entretanto, essa felicidade está marcada com o sinal da cruz. O sofrimento é significado pela cruz e este madeiro é erguido como uma síntese perfeita de maldição e de redenção. Não podemos ignorar o princípio teológico que concebe a criação de Deus como uma realidade limitada e imperfeita. O limite e a imperfeição da criação ajudam a estabelecer a distinção clara entre criador e criatura. O ser humano, obra-prima da criação, é limitado e imperfeito, logo, sua busca pela felicidade será sempre limitada e imperfeita e mesmo esforçando-se para esgotar todas as possibilidades, neste mundo, jamais viverá, totalmente, feliz aqui. A felicidade não está em nós e sim no Totalmente Outro. Nós só a experimentaremos com liberdade e plenitude quando estivermos com Ele e n’Ele, definitivamente.

Reproduzido pelo Blog do Ademir Rocha








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